“L'AUTRE CHIENNE”, álbum de estreia da cantora norte-americana DAPHY, emerge como uma jornada musical ousada e multifacetada. Distribuído pela gravadora independente 4AD, o projeto reflete não apenas a complexidade sonora, mas também a turbulência pessoal que marcou seu desenvolvimento. A narrativa por trás do álbum, influenciada por momentos turbulentos na vida de DAPHY, desde a reabilitação, oferece uma visão intimista. A sua incursão como pianista em shows festivos e a subsequente imersão em um estudo experimental em neurociência proporcionam uma contextualização intrigante, revelando uma artista em constante evolução. DAPHY ousa ao fundir influências do Rock Sinfônico, Nu Metal, Noise Pop e Riot Grrrls, resultando em um álbum que flui entre a melancolia e a provocação. A composição destaca-se pela sua expressividade, enquanto a cantora mergulha em uma fusão de gêneros, do nu-metal ao rap metal, do noise pop ao pop mandarim. A autenticidade é palpável, especialmente nas faixas "Fight Club" e "I'm a violent weapon dressed like a doll", onde DAPHY exibe um vocal belting poderoso e uma voz mais agressiva. A canção "Fight Club" mergulha em um abismo de emoções sombrias e agressivas, explorando temas de raiva, autodestruição e desespero. A narrativa, marcada por versos brutais, cria uma atmosfera intensa, mas também inquietante. O conteúdo lírico da música revela um eu lírico profundamente perturbado, expressando sentimentos de parasitismo, vingança e autoaversão. A alusão ao "Fight Club" sugere um lugar de confronto, onde as emoções negativas são liberadas de maneira física e violenta. A presença de elementos como uso de drogas, agressão física e referências à autodestruição contribui para uma visão sombria e autodestrutiva. A estrutura da música é marcada por versos distintos que alternam entre descrições gráficas de raiva e momentos de vulnerabilidade. O refrão, com sua repetição de "Put me in a fight club," enfatiza a busca por uma liberação física e brutal das frustrações. O uso do "Fuck you, bro" no refrão reforça a agressividade da narrativa. O uso de uma guitarra solo e a menção a elementos como "wild porn" e "cold shower" na segunda estrofe sugerem um cenário caótico, onde o eu lírico tenta aliviar sua raiva através de meios diversos e até autodestrutivos. A tonalidade da música é fortemente sombria e agressiva, alinhando-se com o tema do "Fight Club". A linguagem explícita e crua reforça a intensidade emocional transmitida, enquanto a referência ao "cold-blooded as a cockroach" evoca uma insensibilidade emocional extrema. "Fight Club" parece ser uma exploração visceral dos efeitos corrosivos do ódio e da incapacidade de lidar com o fim de um relacionamento. A narrativa revela um personagem preso em um ciclo autodestrutivo, incapaz de encontrar uma saída saudável para suas emoções. Há também uma sugestão de tentativas inadequadas de lidar com a dor, seja por meio de drogas, agressão física ou comportamentos autodestrutivos. "Fight Club" mergulha em território musical e lírico desafiador, confrontando os ouvintes com uma narrativa visceral e perturbadora. A intensidade emocional, combinada com elementos de autodestruição, cria uma peça que provoca desconforto, mas também instiga a reflexão sobre a complexidade das emoções humanas e os perigos da incapacidade de lidar com elas de maneira saudável. Já na canção "I'm a violent weapon dressed like a doll", a cantora emerge como uma jornada musical e lírica fascinante, guiada pela criatividade singular da artista, que tece uma narrativa medieval com elementos contemporâneos. A composição transcende estereótipos, desafiando as expectativas convencionais. A narrativa começa com a inspiração da artista a partir de imagens no Pinterest, incorporando a ideia de garotas segurando armas como algo biológico. A letra explora a dualidade e complexidade da identidade, proclamando que a imagem externa não pode definir completamente a essência interior. A referência ao gene MAOA e à princesa medieval cria uma mistura única entre ciência e fantasia, contribuindo para uma narrativa intrigante. A introdução transporta os ouvintes para o topo de um castelo, criando uma atmosfera mágica com a imagem de estrelas douradas sendo tecidas com agulhas afiadas o suficiente para iniciar uma guerra. A transição para o refrão é suave, com a voz da artista assumindo uma postura desafiadora e assertiva. O uso do prelúdio, com referências a um vestido de verão e um bolo de blueberry cheesecake, adiciona camadas à complexidade da narrativa. A entrega vocal da artista é poderosa, destacando-se especialmente nos momentos mais intensos da música, como o refrão. A habilidade de transitar entre diferentes estilos e tons reflete uma versatilidade impressionante. A música incorpora temas de rebelião e autenticidade, desafiando normas e estereótipos de gênero. A figura da princesa medieval voando em um dragão e incendiando uma cidade adiciona um simbolismo intrigante, sugerindo uma busca por liberdade e autonomia. A fusão de elementos medievais com um toque contemporâneo resulta em um estilo musical único. A influência da música medieval é evidente na instrumentação e nas escolhas harmônicas, enquanto as letras modernas adicionam uma camada de ironia e subversão. A escrita de DAPHY revela algo fascinante entre o simbolicamente filosófico e o explicitamente cru. A artista mergulha em temas de autoagressão e "queen behavior", sem atribuir culpa a terceiros. A vulnerabilidade transparece nas faixas "My Dad Says The Saddest Things", enquanto faixas como "Hidden Track" e "AR-15" abordam críticas sociopolíticas com uma abordagem afiada. Visualmente, “L'AUTRE CHIENNE” bebe da fonte de influências como Avril Lavigne e Grimes. A simbologia iconográfica, representada pelo xadrez rosa e preto e pela caveira, cria uma dinâmica psicológica, explorando conceitos de tristeza, ousadia e morte/renascimento. A fusão de moda, incluindo elementos da era Vitoriana, gótico e J-Fashion, adiciona uma camada estilística única à experiência. Produzido por DAPHY em um estúdio improvisado na casa de seus pais, “L'AUTRE CHIENNE” reintroduz o punk com uma atitude provocativa, proclamando "Punk is not dead". A combinação de orquestras, guitarras eletrônicas e camadas vocais cria uma atmosfera etérea. A figura estilística, simbolizada pelo termo "L'Autre-chienne", adiciona uma dimensão intrigante à obra. DAPHY presta homenagem a influências como Korn, No Doubt, Evanescence e Kate Bush. As letras, instigantes, honestas e maldosas, refletem a inspiração desses artistas, enquanto a sonoridade sinfônica e alternativa evoca o espírito de álbuns como Issues e Return Of Saturn. “L'AUTRE CHIENNE” é um mergulho profundo na psique de DAPHY, com camadas de sonoridade e significado que se desdobram ao longo das faixas. Apesar de algumas desconexões, a autenticidade e a experimentação elevam o álbum. Uma obra que, embora desafiadora, recompensa os ouvintes dispostos a explorar suas nuances.