Não seria exagero algum dizer que Penelope é uma das grandes musas da cultura popular. Dona de números expressivos, uma carreira consolidada como cantora e produtora e recordes por dias, seu segundo álbum de estúdio “Bombshell” era um projeto aguardadíssimo. Tudo começa com “Charmytopia”, um lugar onde tudo é enrolado a plástico cor de rosa, e o alter ego Charmy é a mártir. De fato a introdução tem um peso, tem um conceito interessantíssimo e poucas vezes explorado, mas se perde em alguns ganchos repetitivos. Talvez a cantora pudesse ter feito de sua metrópole um verdadeiro símbolo de sua jornada, abusando de metáforas ricas e douradas para sua composição, mas aqui, a artista começa morna.
“Blonde Ambition” faz uma referência clara à Madonna já em seu título, e aqui, a artista também poderia saudar todas as grandes 'blonde bombshells' que inebriam a aura do disco. Referências da Old Hollywood, o brilhantismo de estrelas da cultura pop, quem sabe? Infelizmente, aqui, a artista também mantém uma linha muito similar. Há pouca ousadia. Jade X entrega boas palavras, Naomi apenas parece seguir o fluxo, enquanto Sarah Mai evoca uma espécie de fada madrinha, ditando à guiada palavras provocativas e sedutoras. O que a dona de “Everlasting” faz aqui poderia funcionar muito bem como base da canção, inclusive.
“Mr. President” é cheia de energia e tem mais consistência que as anteriores. Aqui, a amante número um do homem mais poderoso da América é a dona da história e consegue retornar à narrativa para seu lado. Só de pensar que esta canção quase ficou de fora do álbum é alarmante, pois aqui, de fato, a cantora dá um show e se mostra dona de seu próprio conto fantástico.
“Money, Power and a Body-Hugging Dress” também traz um ótimo e refrescante momento. O que a artista propõe na quarta canção de seu álbum é uma experiência opulenta sobre seus desejos e um lado mais íntimo da sua fama. Não seria difícil pensar na canção até mesmo como a primeira da lista de faixas, pois, sinceramente, a reflexão e propósito que a diva explicita aqui é muito mais contundente e precisa que as faixas iniciais.
“Scandal”, a canção mais bem sucedida da história, se apropria da mídia e de seus efeitos. Ácida mas em dosagens pequenas, a artista se deixa levar pelo clichê. HuaN e Kadu, os convidados especiais, não deixam a desejar. É quase inevitável não pensar no uso de ‘jabá’ da composição, que já ficou icônico mas num sentido irônico.
“Call Me Charmy” significa uma indulgência quase real em chamá-la por sua nova identidade. Vossa Majestade, Vossa Alteza, todos esses pronomes de tratamento podem equivaler ao magnetismo de Charmy. Sua composição tem bons momentos, e mesmo seguindo uma linha que nos lembra mais uma vez do que estamos ouvindo, traz um certo frescor.
Talvez quem torcia o nariz para “Successful” há quase um ano atrás possa ouvir a canção com o coração e ouvidos abertos. Nada mudou para alguns, mas todos podemos confirmar que o carro-chefe do álbum faz muito mais sentido em sua lista de faixas. Aqui, o signature hit de Penelope (mesmo com ‘Scandal’ sendo bem mais sucedida, nós sabemos onde tudo isso nasceu) nos mostra ao que Penelope - ou melhor, Charmy - veio ao mundo. Uma boa amostra do que a artista é capaz de fazer.
Chegamos ao lado B do disco com a verdadeiramente ácida “Charged with Rage”. Penelope não poupa o que sente em uma de suas mais sinceras canções até o momento. Ela poderia escrever uma carta, mas como o seu destinatário, uma canção de indireta funciona melhor. Abre bem a segunda metade do álbum e mostra uma Charmy compenetrada não só em ser sincera com o inimigo; ela quer uma sublime aniquilação. Mas isso fica mais nítido em “God Complex”, onde ela tem sede de sangue ao denunciar uma mulher insana o suficiente para forjar seu próprio trono em mentiras. Ela não quer ser sutil nas palavras, e mostra mais uma vez que a facada de volta sempre é a mais dolorosa.
“Broken Utopia” tem um ar frio em meio às cordas furiosas de uma orquestra. A interlude deflagra Charmy vendo seu sonho mais perfeito, como uma conquista na parede, desvanecer com o despertar da realidade.
“Spotlight” reúne Ashford e Profound em um momento catártico. O acordar da canção anterior aqui deixa o ambiente menos acolhedor, mostrando o fundo do poço que a fama pode revelar. A composição aqui foi trabalhada para este efeito, e consegue provocar a reação desejada com maestria. Os artistas convidados trabalham com Penelope compromissados em fazer desta a canção mais densa e majestosa de “Bombshell”, e enfim, conseguem.
Em “Desperate”, a confissão chega ainda mais pesada como uma arma apontada aos que regularmente querem um pedaço de Charmy, ou melhor, de Penelope. O desespero apontado diz muito mais sobre as pessoas que julgam do que o julgado, e disso a artista sabe muito bem. Algumas pessoas constroem castelos com as pedras que um dia lhe foram atiradas. Penelope rasga o vestido do Grammy e compõe uma canção.
“Meaning of Fame” é delicada como um pedido de desculpas, mas do jeito Penelope de ser. A cantora sabe que a luz dos flashes provocou reações adversas e afastou algumas pessoas, e que no fim das contas, o brilho é temporário e algumas estrelas podem se apagar. A plena consciência disso faz a artista esganar o orgulho por alguns bons minutos.
Já na última faixa, “Better By Myself”, sua consciência é nítida após tantas ilusões, feridas, relacionamentos frustrados e uma instável ligação ao estrelato. Ela retoma o pensamento de que é a sua principal aliada, e também sua pior inimiga, mas parece nos dizer que no fim do dia, ela sabe quem é de verdade.
O visual do álbum é brilhante, intenso, e mesmo ainda linear e sem novidades ao longo de suas páginas, deixa a artista no centro de tudo, assim como reafirma o seu lugar no centro de sua própria história. A cantora parece um pouco inconsistente nas suas composições. Como já citado anteriormente, a estrela tem conceitos excelentes, mas a execução deixa a desejar. Em certos instantes, o álbum não consegue desgrudar de uma linearidade gigante, o que não seria um problema em um caso isolado, mas em seu começo, a artista parece estar viciada em um mesmo tema, sem conseguir sair do mesmo ritmo. Algumas referências e alusões que não fazem sentido no inglês e sim no português brasileiro, o que talvez sugere uma insegurança em como escreve é notável, além da ausência de tradução nas tracks, que afasta um grande público interessado por pura inacessibilidade. Penelope é uma artista completa, e cada vez mais mostra sua vontade de evoluir com grandes e notáveis avanços. Não há dúvidas que em seu futuro projeto, essas incongruências podem ser reparadas com êxito.
Nas considerações finais, podemos dizer que este é sem dúvidas o melhor da cantora até agora. Distante do clichê borbulhante de “Seasons Change” e agora com a maturidade pomposa de sua persona, “Bombshell” é um grande festival pop enérgico com faixas cheias de potencial, principalmente em seu segundo lado, mais sincero e sem amarras. Ela conseguiu o que rascunhava e desejava tanto: dominação. Impacto.